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Eduardo Tolentino fala sobre os 50 anos do grupo TAPA

Eduardo Tolentino fala sobre os 50 anos do grupo TAPA

Diretor teatral e fundador da trupe destaca as experimentações cênicas e o encontro de gerações

POR LUNA D’ALAMA 

Leia a edição de AGOSTO/24 da Revista E na íntegra

Apaixonado por cinema e música brasileira desde a adolescência, o carioca Eduardo Tolentino de Araujo optou pela faculdade de economia, nos anos 1970. Enquanto seus colegas estudavam estatística e cálculo, ele lia obras de dramaturgos do leste europeu. No meio do curso, resolveu pedir transferência para o curso de comunicação social, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi dentro do campus que, em 1974, Tolentino e outros alunos fundaram o Grupo TAPA – acrônimo de Teatro Amador Produções Artísticas. Quando a trupe se profissionalizou, cinco anos mais tarde, seu nome completo perdeu o sentido, mas a sigla permaneceu. Em 1986, Tolentino e alguns atores se mudaram para São Paulo, onde ocuparam o Teatro Aliança Francesa até 2001. 

Ao longo de meio século de carreira, o premiado diretor teatral trabalhou com atores do quilate de Aracy Balabanian (1940-2023), Beatriz Segall (1926-2018), Laura Cardoso, Nathalia Timberg, Walderez de Barros, Paulo Autran (1922-2007) e Sérgio Britto (1923-2011). No repertório, montou clássicos de Nicolau Maquiavel (1469-1527), William Shakespeare (1564-1616), Oscar Wilde (1854-1900), George Bernard Shaw (1856-1950), Anton Tchekhov (1860-1904), Luigi Pirandello (1867-1936) e Tennessee Williams (1911-1983). Entre os autores nacionais, encenou Nelson Rodrigues (1912-1980), Artur de Azevedo (1855-1908) e Jorge Andrade (1922-1984). Mas, também acha importante destacar autores contemporâneos. “A gente tem uma prevalência de textos brasileiros no nosso repertório e a qualidade das obras é uma regra fundamental”, destaca. 

A mais recente montagem do TAPA é Tio Vânia, clássico de Tchekhov, que fez temporada entre maio e junho deste ano no Sesc Santana. Até setembro de 2024, no Teatro Ruth Escobar, o grupo estará em cartaz com Freud e o visitante, texto do belga Éric-Emmanuel Schmitt. De lá, a peça segue para o Teatro Itália, onde ficará entre outubro e novembro. Na sede do TAPA, um galpão na Barra Funda, também tem sido apresentado Credores, de August Strindberg (1849-1912). Neste Encontros, Tolentino relembra o caminho trilhado do amadorismo à profissionalização, a mistura criativa entre diferentes gerações de atores, o papel do público e a experimentação de novas linguagens cênicas durante a pandemia.

INSPIRAÇÕES ARTÍSTICAS 
Ingressei no universo teatral na adolescência, como espectador dos festivais de Música Popular Brasileira (MPB), que eram comandados por grandes diretores de teatro, como Fauzi Arap (1938-2013) e Bibi Ferreira (1922-2019). Fiquei apaixonado pela MPB. Meu segundo atravessamento artístico foi o cinema, via até três filmes por dia. Ganhei uma câmera Super 8, mas não pensava na arte profissionalmente. Era atleta, nadador, e fui para a Rússia, em 1973, para participar de uma olimpíada universitária. Quando voltei, minha turma estava querendo montar uma peça de teatro para apresentar no fim do ano. Quando fiz aquilo, mesmo sendo algo completamente amador, percebi que era o que queria da vida. No ano seguinte, escrevi uma peça infantil chamada Apenas um conto de fadas. E, com aquela turma, fiquei por quatro ou cinco anos. A gente ensaiava duas ou três vezes por semana, na casa de alguém, na sede de algum clube, onde arranjava. E apresentava de três a cinco dias apenas. Nessa época, eu já havia sido infectado pelo “vírus do teatro”. Ia para as aulas de economia, de cálculo, lendo livros do diretor russo Constantin Stanislavski (1863-1938) e do polonês Jerzy Grotowski (1933-1999). Foi quando vi que era incompatível ficar na economia, então mudei para comunicação social, que era o mais próximo do que eu queria.  

PARA VALER 
Em 1979, Apenas um conto de fadas foi produzida e encenada no Teatro Vannucci, no Rio. Foi um sucesso retumbante, ficou um ano e meio em cartaz. Todo mundo foi ver: filhos de artistas, de jornalistas. E aí não teve mais volta. No começo da minha trajetória teatral, eu ainda pagava para trabalhar, mas estava em cartaz nos roteiros dos teatros, as peças receberam críticas muito boas, tivemos indicações a prêmios. A gente se colocou diante de um panorama teatral, claro que ainda longe de viver disso. Nossa estreia para o público adulto foi com Uma peça por outra, do autor francês Jean Tardieu (1903-1995). E assim fomos caminhando. Tem uma frase do Goethe (1749-1832), escritor alemão e autor de Fausto, que acho maravilhosa: “A vida é essa estranha mistura do que ela faz conosco e do que dela fazemos”. Então é isto: você vai tocando e, quando vê, construiu um projeto de vida pelo qual não esperava no início. 

MARCOS FUNDAMENTAIS 
Um ponto determinante na nossa trajetória foi o encontro com a obra de Nelson Rodrigues (1912-1980). A peça Viúva, porém honesta nos colocou em outro lugar no meio teatral. Esse era um texto do Nelson considerado menor, e nós éramos um grupo desconhecido. Segundo alguns críticos, nós resgatamos uma peça do repertório rodriguiano, assim como o autor nos colocou em outro patamar. Fomos para fora do Brasil pela primeira vez, ganhamos prêmios importantes. O segundo marco do TAPA foi a vinda para São Paulo. Foi um périplo até conseguirmos um teatro e encontrarmos a Aliança Francesa. Por 15 anos, de 1986 a 2001, essa foi a nossa sede, um lugar que já tinha uma história importante. Por lá, havia passado diretores e dramaturgos como Antunes Filho (1929-2019), Plínio Marcos (1935-1999), Leilah Assumpção e Consuelo de Castro (1946-2016). Antônio Fagundes fez sua grande estreia lá também. Como o teatro ficava na Boca do Lixo, ninguém queria ocupar a região. Na época, encenávamos no Rio de Janeiro O tempo e os Conways, de J.B. Priestley (1894-1984), com Aracy Balabanian (1940-2023), mas ela ia ser contratada pela TV Manchete. Então, convidei Beatriz Segall (1926-2018) para a temporada paulistana. Foi um estouro: ficamos vários meses em cartaz. Fizemos coisas importantíssimas nesse período da Aliança Francesa.  

ENCONTRO DE GERAÇÕES 
A gente achava que só cresceria ao se confrontar com atores de maior experiência. Isso gerou um pouco de descrédito num certo momento. Diziam: “Ah, são os coadjuvantes de ouro”. Eu, particularmente, devo muito da minha carreira a atores mais experientes, de gerações anteriores, com quem aprendi demais sobre o ofício. Devo também a atores mais jovens, porque tive que me reinventar para traduzir o ofício a eles. E devo, ainda, à turma da minha geração, que teve a paciência de ir me ver, de me esperar ficar pronto, porque eu não sabia nada. O teatro permite esse encontro quando a gente fala da longevidade do TAPA, é exatamente por causa dessa mistura de gerações. Em São Paulo, também lidamos com todos os tipos de atores: havia desde herdeiros de propriedades rurais até filhos de boias-frias. Essa diversidade colocou verdades em xeque. E o teatro se faz dessa mescla. Quanto mais eclético e diverso for um elenco, mais interessante será o produto final.  

TODA TURMA 
Eu, pessoalmente, não acho que o TAPA seja um grupo, mas uma turma única. Quando a gente começou, boa parte da inspiração veio do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone [criado na década de 1970, de estilo cômico e formado por atores como Regina Casé, Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães e Patricya Travassos]. O Asdrúbal mudou os meios de produção, trabalhava de forma cooperativada, o que gerou um boom de coletivos nesses moldes. Não somos uma companhia, porque não temos financiamento do Estado ou de empresários. Então, fomos criando um modelo próprio. Essa ideia de turma nos leva à imagem de um porto [em movimento], não de um conjunto parado. É um lugar de confluência, de encontros, de momentos. E, para aproveitar ao máximo as pessoas, começamos a usar um modelo europeu de alternância de repertório, com mais de uma peça em cartaz ao mesmo tempo. Tínhamos um elenco fixo, além de atores contratados por montagem. Numa única temporada, chegamos a fazer seis peças simultâneas. Minha responsabilidade como diretor artístico é ouvir as pessoas democraticamente, fazer um apanhado e decidir. Alguém tem que se responsabilizar pelo fracasso ou sucesso de um projeto, pelos acertos ou erros de uma escolha.  

PASSADO E PRESENTE 
Geralmente, o que nos inspira a fazer determinada peça são os elementos mais próximos do TAPA. É um repertório feito para um grupo de pessoas, com a possibilidade de convidar atores de fora. Do meu ponto de vista, é fundamental ter o conjunto à sua volta e adequar os temas tratados ao momento que estamos vivendo. Isso tem que ser levado em consideração. Às vezes, acontece por intuição, porque não é um cálculo matemático. O TAPA não tem autores. Eu costumava escrever, mas parei. A gente tem uma prevalência de textos brasileiros no nosso repertório e a qualidade das obras é uma regra fundamental. Além de ser um bom texto, ele deve tratar de questões que queremos discutir, ter um DNA próximo da gente. Quando fazemos clássicos, como O jardim das cerejeiras, de Tchekhov, abrangemos um público muito grande, porque todo mundo, de algum jeito, já perdeu o seu jardim, nem que tenha sido um vaso de flores. Em suma, buscamos identificações. 

RESPEITÁVEL PÚBLICO  
Atualmente, por trás de uma ideia de democracia, temos visto inúmeros espetáculos precários, sem condições mínimas de infraestrutura. Não existe teatro sem público. E a plateia precisa ser respeitada, chegar a um lugar onde as portas abram na hora certa, onde as pessoas possam se sentar decentemente, ter facilidade de compra de ingresso e ver um espetáculo profissional. O terreno do teatro amador é legal, bacana, era o que eu fazia no início. Mas, o teatro, para ser qualificado como profissional, requer tempo de trabalho, profissionais preparados. O espectador pode passar anos sem voltar ao teatro, ou até desistir de vez. Também não é bom para os atores quando há um grande despreparo técnico.  O mais importante é você conquistar o direito de estar em cena, e isso requer muito trabalho. Fiz sete anos de aulas de corpo, aulas de voz, estudamos Ópera de Pequim, tai chi chuan, história da arte. Tudo isso nos preparou e continua preparando. Sou, acima de tudo, um espectador teatral.   

Ouça a íntegra da conversa com Eduardo Tolentino, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 20 de junho de 2024. A mediação do bate-papo é de Camila Amaral Tavares, que integra a equipe de teatro na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

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Post original através de www.sescsp.org.br

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