Estrela Dinn brilha nos cabarés do sul do mundo
“Eu sou Estrela Dinn, eu sou uma ficção. Eu sou filha desta zona, a Zona Cultural, e esta zona é um teatro. Eu sou filha do teatro – e sendo filha do teatro, abre-se uma possibilidade gigantesca de jogo e exploração das teatralidades possíveis.” A afirmação da atriz Estrela Dinn, atravessada por uma fala de sua personagem homônima, dá o tom do espetáculo que a Cia. Rústica estreia nesta terça-feira (30/1), às 20h, na Zona Cultural, integrando a programação do Porto Verão Alegre.
Com direção de Patrícia Fagundes, a peça Estrela Dinn – A Pessoa Nasce pra Brilhar leva ao palco uma personagem criada para os espetáculos Cabaré da Mulher Braba e Cabaré do Amor Rasgado, produções recentes da companhia que fazem parte da pesquisa Cabarés do Sul Mundo, projeto acadêmico-teatral liderado pela diretora da montagem.
“Nosso tempo carrega essa urgência da luta por narrativas que abrem janelas para imaginar outros mundos. Essa montagem é costurada por histórias da atriz e de outras travestis, narrativas de astronomia e astrologia, canções pop, memórias, nossa constante celebração da arte e do próprio teatro, que é um espaço de afeto, invenção e rebeldia”, afirma Patrícia.
“O espetáculo integra a proposta que a gente desenvolve, desde a fundação da Cia. Rústica, de trazer, além da festividade, um diálogo entre arte e política, com temas sensíveis e socialmente relevantes, de uma maneira acessível e próxima do público”, completa a diretora, que é professora do Departamento de Arte Dramática da UFRGS.
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Acompanhada do personagem Vitorio Ventura (Diego Nardi) – um ator, astrólogo e profissional múltiplo do teatro –, Estrela Dinn performa, dubla, dialoga e coreografa uma jornada de autoconhecimento, com passagens autobiográficas que se somam a homenagens. “Tem uma encruzilhada entre essa personagem e eu mesma. Primeiro, emprestei o nome à personagem, agora estou finalmente assumindo esse nome. É uma homenagem à minha mãe travesti, Natasha Dinn, e outra amiga, a Estrela, como chamamos a Mirela Vogue na intimidade”, conta Estrela Dinn, 37 anos, que até poucos dias atuava nos palcos com o nome Ander.
Ela conta que, ao longo dos espetáculos mais recentes da Cia. Rústica, já alimentava o desejo de aprofundar a personagem Estrela Dinn. A vontade ganhou força com pedidos do público para que Estrela brilhasse ainda mais. A companhia bancou a ideia, dando sequência à proposta de um olhar a partir do espaço simbólico dos cabarés do sul do mundo.
“A noite é um espaço de manifestações artísticas, e as pessoas trans, de maneira geral, encontram na noite um espaço de expressão que as abraça, diferente de outros lugares legitimados pela cultura eurocentrada, hétero-cis-normativa. Tende-se a olhar para essas linguagens e estéticas – desenvolvidas, pensadas e executadas à noite – como algo menor, porque não correspondem à norma vigente que acolhe pouquíssimos corpos e linguagens”, reflete Estrela.
“Este outro corpo, marginalizado e excluído nesse universo, é uma grande estrela e brilha como diamantes no céu, como diria Rihanna: Shine bright like a diamond”, completa a artista, cantando RiRi durante a entrevista.
As homenageadas do espetáculo incluem a multiartista e militante LGBTQIA+ Cláudia Wonder (1955-2010). Nas palavras de Estrela, “uma artista da cena, transgressora, underground, cabeleireira, maquiadora, síndica de prédio, que dava consultoria para atores e atrizes que interpretavam travestis e transexuais”.
Quem também inspira a personagem Estrela Dinn é a empresária e militante Andréa de Mayo (1950-2000) – que interpretou Geni na primeira montagem da Ópera do Malandro, escrita por Chico Buarque, e era conhecida como Poderosa Chefona na São Paulo dos anos 1980. “É uma complexidade do universo travesti. Onde não há Estado, as pessoas precisam desenvolver outros códigos”, observa Estrela.
A tríade de inspirações se completa com a atriz Rogéria (1943-2017). “Ela era o glamour, a vedete, e jogava num território muito pantanoso. Hoje em dia, com nossas evoluções e letramento, quase temos uma síncope com os absurdos que ela falava. Mas não a vejo de forma demonizadora”, explica Estrela. “Quando ela morre, foi manchete no país inteiro: ‘Morre a atriz Rogéria’, e não ‘Morre a travesti’. Pra quem conhece como é viver num mundo cisnormativo, onde as pessoas leem tudo pelo filtro da transgeneridade, isso é gigantesco”, ressalta a atriz.
O espetáculo também celebra as trajetórias de Britney Federline – primeira diretora trans da TV Globo –, da artista Glória Crystal – diretora da Divisão da Diversidade e de Combate à Intolerância do governo estadual – e da atriz e cantora Valéria Barcellos. “Sermos pessoas transgêneras é mais uma característica que nos compõe, não a principal. Somos absolutamente plurais e contraditórias, como qualquer outro ser humano do planeta Terra”, destaca Estrela.
“Estou numa rede de relações significativas que me permitem ser a atriz que estou me permitindo ser. E isso só é possível por causa delas, que vieram antes”, completa a atriz, que começou no teatro aos 10 anos, em Caxias do Sul, onde também atuou como bailarina pela Companhia Municipal de Dança. Integrante do grupo caxiense Quarta Parede, Estrela mudou-se em 2010 para Porto Alegre, onde se graduou em direção teatral pela UFRGS. Desde 2013, faz parte da Cia. Rústica.
“Viver meu ofício é a melhor maneira que encontrei de me comunicar com o mundo. Continuo acreditando nesse poder que é trans – olha aí – transformador desse nosso convívio, a partir da imaginação, dos conflitos de nossos desejos e da construção de uma sociedade diferente, livre, abrangente.”
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“Estrela Dinn — A Pessoa Nasce pra Brilhar”, da Cia. Rústica
Quando: 30 de janeiro e 1º de fevereiro, às 20h
Onde: Zona Cultural (avenida Alberto Bins, 900 — Centro Histórico – Porto Alegre)
Classificação: 14 anos
Ingressos à venda no site do Porto Verão Alegre
Post original através de www.matinaljornalismo.com.br
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