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Teatro, por Claudia Chaves: “Sobrevivente” | Lu Lacerda

Teatro, por Claudia Chaves: “Sobrevivente” | Lu Lacerda

Desde que nos damos conta da nossa existência, começamos a querer entender o que somos, o que fazemos, para onde vamos. Na verdade, vêm-nos as perguntas centrais: “De onde viemos?”, “Qual a nossa origem?”, “Por que somos assim?”. E, na outra face da mesma moeda, é o que deixaremos, qual a nossa herança, como sobreviveremos nas memórias, nos afetos e no corpo de nossos descendentes. “Sobrevivente” é capaz de colocar todas essas questões em um balaio, ir puxando os fios e obter um resultado que não responde às nossas inquietações, mas consegue nos refletir. Ponto para a peça. 

Nena Inouê, vencedora do Prêmio Shell 2019, é uma esplêndida contadora de histórias, atributo que poucos performers possuem. Primeiro, discorre sobre o seu nascimento, sua mista composição familiar (do lado paterno, uma família tradicionalíssima japonesa). A fuga de seus pais para a Argentina e suas vicissitudes nos lembram os clássicos mitos de que, para se nascer, é preciso se ausentar e fugir. Esse já é o primeiro jogo da dramaturgia de Henrique Fontes que nos coloca em um caminho e, inesperadamente, nos dá um cavalo de pau.

É uma peça de mulheres, contada por mulher, para ver a sua relação com outras mulheres, sobretudo com a avó materna, a quem jamais conheceu. No entanto, quem está no palco é o filho da atriz, Pedro, que funciona como um grilo falante — um duplo crítico que fala, intervém, ironiza, briga, canta (e muito bem), toca a esperta trilha sonora. Aí a plateia pode pensar: mas Inouê não procura a avó? Sim, mas de uma forma especular do jogo ascendência/descendência.

As imagens projetadas são como se estivéssemos em uma sala com uma amiga querida mostrando suas lembranças, seu passado, as surpresas e as indagações que toda visita ao passado nos traz, desbotadas e fora de foco como fica a maioria das fotos.

De procura em procura, pergunta em pergunta, o quadro que se vai montando. Inouê, na busca do tempo perdido (sua avó materna seria indígena?), nos leva a pensar: será que meus netos, bisnetos irão querer saber quem fomos? Será que esse filho que está aqui agora será capaz de nos fazer sobreviver na lembrança de seus filhos? Será que somos capazes de sobreviver na importância dos afetos? Inouê nos diz que sim. Termina a partida  com uma goleada, três sets a zero. Sobrevivemos todos. 

Serviço:

Teatro Firjan SESI, no Centro

Segunda, terça e quarta-feira, às 19h

Post original através de lulacerda.ig.com.br

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