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Aos 80 anos, Eid Ribeiro vê o teatro com olhos de menino

Aos 80 anos, Eid Ribeiro vê o teatro com olhos de menino

Eid Ribeiro ao lado do ator Francisco Dornellas, que interpreta Hamm | Foto: Andre Veloso/divulgação

Prestes a completar 81 anos, Eid Ribeiro já fez muita coisa nesta vida. Foi lanterninha de cinema, trabalhou em banco, vendeu óleo de coco na praia, atuou como repórter, copidesque, cronista e colunista de jornal (inclusive, de O TEMPO, entre os anos 1996 e 2001). Mas de tudo que já se propôs a fazer, há algo que faz parte do seu entendimento como ser humano. “O teatro me mantém vivo e preenche minha loucura no sentido de dar vazão à minha criação”, afiança Eid, que se tornou um dos mais inventivos nomes do teatro brasileiro. 

De fato, é praticamente impossível dissociar as artes dramáticas da vida do mineiro nascido em Caxambu, no Sul de Minas Gerais. Em sua trajetória, são mais de 50 espetáculos (“mas nunca contei”), os quais explorou autores dos mais diversos estilos, desde Samuel Beckett e Bertolt Brecht, passando por Jean-Paul Sartre, Edward Albee e Frank Wedekind até Nelson Rodrigues, Leilah Assumpção e Alcione Araújo. Em suas criações, Eid preza pela liberdade e nunca chega “com tudo prontinho” quando dirige uma peça. “Crio junto com as pessoas. Nunca sei como começa nem como termina um espetáculo. Então, os atores e atrizes têm que ter paciência comigo”, enuncia.

É nesse ritmo que o autor apresenta “Fim de Partida”, espetáculo com texto de Samuel Beckett, que estreia nesta quinta-feira (15), no CCBB-BH, e que cumprirá temporada até o dia 18 de março. “O espetáculo vai ser uma espécie de obra em progresso, ficará pronto na última hora”, revela, destacando que a obra levou cerca de oito meses para ser gestada. Eid já trabalhou com o texto de Beckett em 1988, mas agora volta aos palcos com a obra em uma roupagem totalmente nova: os protagonistas, Clov e Hamm, são interpretados por dois palhaços, Francisco Dornellas e seu filho Victor Dhornelas, da Trupe Garnizé.

“Não é uma remontagem. É totalmente diferente do que fiz em 88”, alerta o autor. Eid conta que o que mudou de lá para cá foi a forma que passou a enxergar o texto do dramaturgo e escritor irlandês. “Este é um Beckett do ponto de vista de dois palhaços”, menciona. “‘Fim de Partida’ tem muita palhaçaria, é uma brincadeira de teatro, e isso abriu possibilidade de um novo olhar sobre a obra dele”, argumenta o dramaturgo, que já se valeu do estilo em obras anteriores, como “No Pirex” (2011) e “Thátch” (2014), ambas do grupo Armatrux. 

Dessa maneira, Eid consegue empregar humor, ironia e sarcasmo em uma obra essencialmente trágica. Fechados em um bunker, Hamm e Clov confrontam o sentido da vida e da lógica humana sob um ponto de vista lúgubre e pessimista. “Os diálogos entre senhor (Hamm) e escravo (Clov) me permitiram brincar com a tragédia da condição humana, a qual Beckett usa muito em sua obra”, assinala o diretor. 

O espetáculo é dividido em dois atos, com intervalo de 10 minutos entre eles. Eid optou pela pausa para que Francisco Dornellas, de 78 anos, possa se recuperar: o ator sofreu dois AVCs e se apresenta em uma cadeira de rodas. “Ele precisa ir ao banheiro e se movimentar um pouco”, explica. A montagem, aliás, é também uma homenagem a Chico, como chama o ator e amigo, que conhece desde a década de 70. “Assisti ao Chico no espetáculo ‘Ligados em Uma Nota de Sol” e falei: ‘nossa, ele faria “Fim de Partida’ genialmente”, observa. 

Amor pelo teatro começou no circo

Eid Ribeiro começou no teatro efetivamente em 1963, no Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE, mas o amor pelas artes dramáticas começou muito antes disso. “Eu assistia muito aos melodramas de circo quando eu era menino, e lá tinha o Ébrio, a Escrava Isaura”, recorda. Foi sobre as lonas, aliás, que ele passou parte da infância. “Morando no interior, sempre fui muito ao circo. Toda vez que aparecia um por lá, era o primeiro a chegar”, rememora. Seu personagem de circo preferido? O palhaço.  

Em 1964, essa paixão se intensificou – mesmo que o caminho tenha sido doloroso. Diagnosticado com tuberculose, ele se internou no Sanatório dos Bancários, no bairro Padre Eustáquio, hoje Hospital Alberto Cavalcanti. Durante seis meses que ficou recluso, escreveu dois textos teatrais e encenou “A Farsa do Advogado Patelim” com os internos. “O teatro me ajudou muito, segurou minha cabeça em épocas difíceis da minha vida”, revela. 

No ano seguinte, matriculou-se no Teatro Universitário, onde fincou bandeira definitiva nas artes cênicas. Dos colegas que conheceu nos tempos de estudante da UFMG, surgiu um grupo, o Geração, fundado por ele ao lado de Alcione Araújo. Dessas recordações, Eid extrai um conselho aos estudantes de teatro. “Você tem que sair da escola [de teatro] com um grupo formado. Não precisa de 16 pessoas, três ou quatro já são suficientes”, recomenda. 

Em sua carreira, Eid acumula trabalhos com importantes grupos, como os mineiros Galpão e Armatrux, além do suíço Teatro Delle Radici. Também já foi curador do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua (FIT). Agora, aos 81 anos, Eid nem pensa em parar. Ele tem trabalhado nos quatro espetáculos que dirigiu para o Armatrux (“De Banda pra Lua”, “No Pirex”, “Thácht” e “Nightvodka”) na missão de substituir o ator Dudu Machado, que saiu do grupo. Também tem tentado levar três roteiros para o cinema, a sua outra grande paixão. 

“Escrevi três roteiros de longa-metragem, e aí vou correr atrás. Não criei expectativa de nada. Quando tiver que acontecer, acontece”, diz, com humildade. Os três roteiros têm como temática central a política (se passa na pandemia durante o governo Bolsonaro), o próprio cinema e a miséria, este último inspirado em um texto teatral autoral, o “Lágrimas de Guarda-Chuva”. “Estou com um projeto de transformar ‘O Pirex’ em cinema mudo”, adiciona. “Só vou aposentar quando morrer”, assevera, sem deixar dúvidas. 

SERVIÇO

O quê. Espetáculo “Fim de Partida”
Quando. De 15 de fevereiro a 18 de março, às 19h; com temporada de segunda a sexta
Onde. Teatro II do CCBB BH (Praça da Liberdade, Funcionários)
Quanto. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis no site ccbb.com.br/bh e na bilheteria do CCBB BH.

 

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Post original através de www.otempo.com.br

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