Camila Morgado conta como vive mulher que inveja filha de bicheiro em peça: ‘É até cafona de se dizer’ | Teatro e dança
Uma mulher doente, pobre, religiosa fervorosa e sem perspectiva de progredir na vida, com um único e descomedido desejo: “o enterro mais bonito que já houve no Brasil”. Esse é o mote de “A falecida”, clássico de Nelson Rodrigues (1912-1980) que chega nesta sexta-feira ao Teatro Copacabana Palace, sete décadas após a estreia da primeira montagem, no Theatro Municipal.
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Com Camila Morgado no papel da protagonista e direção do paulista Sergio Módena, a peça — que, em 2023, fez temporada em São Paulo — segue à risca o texto original, de 1953. Com poucos elementos cênicos, manipulados pelos próprios atores, e ambientada no subúrbio do Rio, a trama narra, em três atos, a busca obstinada de Zulmira pelo sonhado funeral de “36 mil cruzeiros”, nos moldes da cerimônia da filha do bicheiro da região, Anacleto.
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Moradora de Aldeia Campista, na Zona Norte, a personagem coleciona frustrações. Em meio ao casamento atribulado com Tuninho (Thelmo Fernandes) — desempregado e obcecado pelo Vasco — e à rixa com a prima Glorinha — , ela vê na morte suntuosa a possibilidade de conquistar algum prestígio com a vizinhança.
A montagem da tragicomédia — oitava das 17 peças do dramaturgo — marca a volta aos palcos de Camila após um hiato de 11 anos, período em que se dedicou a séries, novelas e filmes como “Bom dia, Verônica” (2021), “Pantanal” (2022) e “Albatroz” (2019). O convite do diretor foi aceito sem pensar duas vezes, conta a atriz. Amigos de longa data, os dois nunca tinham trabalhado juntos.
— Quando o Sergio me chamou, só falou duas palavras: “Nelson Rodrigues”. E eu disse: “vamos”. Nunca tinha feito nada dele, que é o grande autor do nosso país, e foi maravilhoso voltar ao teatro com esse texto — conta a artista, cuja última peça foi “Palácio do fim” (2012), dirigida por José Wilker (1944-2014).
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Além de Zulmira, Camila está interpretando “outra fanática religiosa”, a Dona Patroa, de “Renascer”, novela das 21h da Rede Globo.
— Durante esses meses, não vou ter descanso, vai ser uma maratona. É até cafona de se dizer, mas a presença das pessoas na plateia do teatro ajuda, dá energia, porque há troca com o público. Acho que muito disso se deve ao fato do Nelson ser tão popular.
Para Módena, outro estreante na dramaturgia rodrigueana, a contemporaneidade do texto facilita o processo de identificação dos espectadores.
— Nelson Rodrigues é um autor fetiche pelas possibilidades temáticas e estéticas que sua obra proporciona. Em “A falecida”, especialmente, tudo continua atual. Quando pensei no projeto, o fanatismo religioso, tão em voga no Brasil nos últimos anos, e essa ideia de que a religião pode preencher vazios me interessaram muito. Zulmira e Tuninho são excluídos da sociedade. Ela, como boa heroína trágica que é, trama sua vingança, um enterro de dar inveja. É uma ótima metáfora social — diz o diretor, no comando do elenco que conta ainda com Stela Freitas, Alan Ribeiro, Alcemar Vieira, Gustavo Wabner e Thiago Marinho.
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Se Camila e Sergio são calouros no mundo de Nelson Rodrigues, Thelmo Fernandes é veterano. Na longa lista do ator estão, entre outras, montagens de “O casamento”, com direção de Antonio Abujamra e João Fonseca, e “O beijo no asfalto”, de Marcus Alvisi.
—Essa é minha quinta peça de Nelson, e a terceira vez que sou chamado para “A falecida”. Os outros dois convites não pude aceitar por conflitos de agenda. Agora, não tive como negar —ressalta.
Vascaíno doente como seu personagem, Tuninho, ele endossa a relevância do caráter popular do autor.
— É impressionante como ele tem essa capacidade de não ficar datado. Seria até melhor que ficasse, pois, infelizmente, muitas questões de 1953 continuam aí. É de uma genialidade…
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Autor do livro “Dossiê Rodrigues — A genealogia (1900-1934)”, lançado em dezembro de 2023 pela editora Ói Nóis na Memória, o diretor e produtor teatral Caco Coelho explica que “A falecida” é um marco na fase estilística do dramaturgo conhecida como “Tragédia Carioca”.
— Ela inaugura uma etapa dentro da obra de Nelson em que o enterro tem uma força alegórica. Para ele, esse é um símbolo do Rio Antigo, com os famosos funerais com carros puxados a cavalo. Ela foi escrita depois de sua experiência como repórter policial, entre 1926 e 1930 — destaca Coelho.
Pesquisador de Nelson há 25 anos, o gaúcho chama a atenção para outro mérito da obra.
— Esse texto tem uma relevância não só no que diz respeito ao repertório do Nelson, mas nas artes como um todo. É ele quem alça e enleva Fernanda Montenegro ao estrelato, na deslumbrante versão do filme feito por Leon Hirszman, em 1965. O salto que ela dá como atriz é interpretando a Zulmira. O texto tem uma eternidade por tratar o ser humano sem falseá-lo — conclui.
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Programe-se:
Teatro Copacabana Palace. Av. Nossa Senhora de Copacabana 261. Sex e sáb, às 21h. Dom, às 20h. De R$ 40 a R$ 160. 16 anos. Até 7 de abril. Estreia sexta, dia 23.
Post original através de oglobo.globo.com
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