Teatro da Poesia rompe hiato dos palcos no dia do Teatro Alagoano
Em ‘Ensaio Sobre o Abraço’, a distância é relativa e, a depender do contexto, possui uma condição especial que pode ser dimensionada em diversas unidades de medida: de metros e quilômetros até horas e dias. Dizem por aí, no entanto, que a distância temporal é a que mais nos afeta. Assim, após dois anos de hiato, o grupo Teatro da Poesia volta ao palco, dessa vez no Teatro Deodoro, encerrando esse período que distanciou os artistas de sua arte e a arte de seu público. O retorno transcende a presença física dos atores e da plateia, mas marca a união de ambos, que nunca foi rompida de fato, apesar da pandemia de Covid-19. É como um longo abraço, longo o suficiente para tratar as feridas do corpo, da alma e da ausência teatral que, no dia da pré-estreia da peça, 14 de maio, o teatro alagoano celebra mais um ano.
A companhia Teatro da Poesia surgiu em 2015, com os artistas Louryne Simões e Jadir Pereira. Posteriormente, os atores Jamerson Soares e John Fortunato ingressaram no grupo de dramaturgos. O grupo utiliza dinâmicas teatrais e integração de diversas linguagens artísticas, como fotografia, cinema, música e literatura, para desenvolver uma dramaturgia autoral.
A primeira apresentação do grupo foi em 2016, com o espetáculo “A Memória da Flor”, e passou a ganhar destaque no cenário apresentando outros projetos, como as peças ‘Histórias do Sol Nascente’ (2016), “Os que Vêm de Longe” (2018), e, por fim, o resultado do ciclo de oficinas “Ato”, em 2021.
O ABRAÇO QUE FALTA
“Da mesma forma, o ator e a atriz fora do palco, ele adoece. O ator e a atriz, sem o seu abraço, sem estar presente, fazendo a sua arte, de atuar no seu ofício, muitas vezes o que a gente vê é um processo de adoecimento, de ansiedade, depressão, como muitos atores se sentiram. E, muitas vezes, esse ator não é abraçado pelo poder público. Muitas vezes o ofício de atuar não é incentivado pelo poder público. Então, quem realmente abraça a nossa profissão é quem vai ao teatro, é quem vai assistir às peças locais”, reflete o cofundador da companhia, Jadir Pereira, ao lembrar dos desafios enfrentados pelo grupo com a chegada da pandemia. Muito além dos problemas físicos e financeiros, segundo ele, a mente adoecida se tornou algo comum entre os artistas.
Quando subiram ao palco pela última vez, em julho de 2019, não imaginavam que seriam afastados por tanto tempo. Com a pandemia da Covid-19 decretada em março de 2020, o isolamento social e a preocupação generalizada tomaram conta de toda a sociedade, e esse se tornou o ponto de partida para a criação da nova apresentação, intitulada ‘Ensaio Sobre o Abraço’. O diretor Jadir Pereira conta como foi a decisão de retorno aos palcos e o que seria apresentado. “Quando a gente fez a pauta para retornar para os palcos, nós pensamos justamente nisso. Para onde foram nossos abraços? Quem é que abraça o artista? Então a peça fala justamente sobre o abraço aos palcos, o abraço ao artista, mas, especialmente, também nesse momento, a gente sentiu falta do abraço e do carinho do público, porque quem nos alimenta a continuar é justamente o público. O público é um personagem, é uma peça fundamental para o desenvolvimento da cultura, para que aconteça esse ato sagrado que é o teatro”, diz Jadir.
CIÊNCIA EM CENA
Baseando-se na ciência, o grupo cita um estudo que afirma os efeitos terapêuticos de um longo abraço, ademais, fazem relação ao mito platônico de andrógino, um ser com quatro pernas e quatro braços, uma cabeça e dois rostos que foram separados pelos deuses e, daí, passam a vida procurando um ao outro, ansiosos por voltar ao corpo original, onde ambos estão unidos como um casal dentro de um abraço. O diretor Jadir vai ainda além, ele relaciona esse sentimento até mesmo ao teatro, a estar no palco. “Então, o mito dos andróginos fala do mito do amor, e da busca incessante pela outra metade. E fala também sobre como nós estamos, trata do banquete de Platão e trata justamente sobre o amor, trata também dessa busca incessante pelo sublime, por aquilo que nos torna bons, que nos torna justo. E a arte, muitas vezes, ela tem um pouco dessa busca, dessa procura por esse sublime, por essa elevação, muitas vezes espiritual mesmo, questão da alma.”
PROCESSO CRIATIVO
O processo de criação do ‘Ensaio Sobre o Abraço’ envolveu muito mais que uma reunião, papel e caneta. Foram muitos experimentos e sentimentos expostos em uma metodologia minuciosamente coordenada. “Os nossos processos de criação de um espetáculo ou peça, geralmente, são demorados, dura cerca de nove meses ou até anos, até porque eu acredito que as peças em si não ficam exatamente ‘prontas’, há sempre um contínuo processo de adaptação […] O espetáculo ‘Ensaio Sobre o Abraço’, especificamente, durou cerca de 1 ano. Durante esse processo de criação, a gente testou vários recursos do teatro, como jogos teatrais, dinâmicas para construção de personagens, consciência corporal, contação de histórias, dança-teatro, performance. Também mergulhamos em recursos afetivos, das nossas memórias e ancestralidade, histórias que são e foram contadas no cotidiano por nossos avós, por trabalhadores do dia a dia, que aconteceram com o elenco, durante a pandemia e depois dela também”, explica o ator Jamerson Soares.
DIA DO TEATRO ALAGOANO
O que seria melhor para um artista alagoano que voltar ao palco no dia que representa essa arte? A cofundadora e atriz da companhia, Louryne Simões, não consegue esconder a empolgação dessa volta, e cita diversos fatores que fazem com que essa data traga tantas expectativas para o grupo. “Apresentar nessa data é muito forte e muito significativo para a gente, assim, esse espetáculo está sendo muito especial em vários âmbitos. É a nossa primeira vez no Teatro Deodoro e a gente se apresenta no dia do Teatro Alagoano e, um dia depois, a gente completa nove anos [de companhia]”. Louryne revela ainda que os ingressos foram esgotados em apenas três horas e que, embora já tenham se apresentado com a casa cheia, esta é a primeira vez que isso aconteceu.
Post original através de www.gazetaweb.com
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