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Josef Koudelka, o fotógrafo que retrata o mundo como se fosse uma peça de teatro | Eu &

Josef Koudelka, o fotógrafo que retrata o mundo como se fosse uma peça de teatro | Eu &

“Praça Venceslau, Praga, Tchecoslováquia” (1968): foto traz a hora em que um protesto contra a invasão soviética estava marcado — Foto: Josef Koudelka/Magnum Photos, cortesia da Fundação Josef Koudelka

Por um bom tempo, o fotógrafo tcheco Josef Koudelka “vivia do mínimo”. Precisava apenas de um bom saco de dormir, um par de sapatos, dois pares de meias e um par de calças. Tudo durava um ano. Uma jaqueta e duas camisas lhe serviram por três anos. Não que lhe faltassem recursos ou que fosse um poeta beat-hippie. Àquela altura, nos anos 80, ele já era um associado célebre da agência Magnum Photos, a grande referência mundial entre o fotojornalismo e a arte. Com o dinheiro recebido de prêmios, que duraria apenas meses em outras mãos, ele tinha garantido a sobrevivência por anos. Em vez de alugar um apartamento, preferia investir em viagens pelo mundo que permitissem sua atividade predileta: fotografar o que lhe dá vontade, sem ser pautado por ninguém.

Aos 32 anos, teve que abandonar sua terra natal, a então Tchecoslováquia. O que de início pareceu uma tragédia acabou definindo sua vida. Ele havia se tornado um dos principais responsáveis por fazer o mundo visualizar a invasão de seu país pelas tropas soviéticas, que esmagavam o sonho democrático da Primavera de Praga.

Naquele 21 de agosto de 1968, eletrizado pelos acontecimentos, o então fotógrafo amador não pensou muito e saiu registrando o que via pela frente. “O que estava acontecendo na Tchecoslováquia dizia respeito à minha vida diretamente. Era meu país”, disse anos depois. Era a principal diferença entre ele e fotógrafos profissionais que também estavam ali: “Tirei essas fotos para mim mesmo, não para uma revista”.

Exposição reúne mais de 200 imagens do fotógrafo tcheco

Mais tarde naturalizado francês, Koudelka fez da errância um modo de vida, e do mundo, seu lar. “Eu não precisava de um carro ou todas aquelas coisas que a maioria das pessoas têm”, disse. Apenas 15 anos depois de deixar seu país, quando se tornou pai pela primeira vez, aceitou trabalhar em troca de dinheiro.

Atualmente, os 86 anos de idade do fotógrafo não permitem mais longos períodos de privação de conforto. Jonathan Roquemore, codiretor da Fundação Josef Koudelka, diz ao Valor que o fotógrafo vive hoje entre Praga e Paris. “Ele está mais concentrado na organização de seu arquivo vasto e na edição e no projeto de uma série de novos livros que serão publicados no futuro”, diz o também integrante da Magnum, que trabalha com o fotógrafo desde 2008. “Koudelka se preocupa com sua obra e dedicou sua vida ao trabalho”, conta. “Depois de ir para o exílio, em 1970, ele geralmente viajava e fotografava durante os meses mais quentes e passava os meses mais frios trabalhando em suas fotos na sala escura.”

Esse tripé que define sua existência — o modo de vida desapegado, o olhar poético e o nomadismo — sustenta as quase 200 imagens que fazem parte da exposição que tem início em 18 de maio, no Instituto Moreira Salles de SP. Em “Koudelka: Ciganos, Praga 1968, Exílios” ficam de fora aquilo que costumamos ver no nosso mundo saturado de imagens: “cenas turísticas, a vida da classe média, plásticos, o mercado de consumo, sinais, carros, diversões modernas”, ou seja, visões do que se tornou característico dos séculos XX e XXI, como notou o crítico americano Max Kozloff.

Se uma foto é boa, ela conta muitas histórias diferentes

— Josef Koudelka (em entrevista ao ‘The New York Times’)

Nada é óbvio em Koudelka. É necessário chegar perto, parar por alguns segundos mais demorados para entender o que há na imagem. São meninos orgulhosos com o peito levantado, forçando os ossos da caixa torácica; jovens desarmados defendendo heroicamente seu país de forças invasoras. São cenas que engajam o observador com uma linguagem visual econômica e crua. Os altos contrastes de luz e a composição detalhada ajudam a criar um ar teatral que captura uma outra dimensão do real. Não por acaso, quando ainda morava na Tchecoslováquia, Koudelka inovou no modo como fotografava peças de teatro.

Algo nítido para quem observa sua trajetória é o espírito errante e descolado de convenções da pequena burguesia, que une Koudelka à vida cigana. Quando ainda morava em seu país, ele se formou engenheiro aeronáutico e passou sete anos trabalhando entre os aviões. Mas a estabilidade financeira não o comovia, e continuar na profissão significaria apenas “esperar pela morte”. A fotografia, que era então apenas um hobby de fim de semana, passou a ser sua ocupação principal, ainda que o dinheiro fosse escasso.

Num plano cultural mais amplo, Koudelka inscreveu seu nome como o grande fotógrafo da invasão de Praga, assim como nas letras Milan Kundera deixou sua marca com o best-seller “A insustentável leveza do ser” — é difícil não pensar em Koudelka na adaptação cinematográfica de 1988, dirigida por Philip Kaufman, nas cenas em que a fotógrafa Tereza (personagem de Juliette Binoche) registra a invasão.

“Eu uso a realidade, mas não a estou documentando. Apenas seleciono aquilo que me interessa”, disse o fotógrafo em uma entrevista com o curador suíço Hans-Ulrich Obrist. É essa liberdade radical que o afasta não apenas de movimentos programáticos, como o surrealismo, que também prevê um novo olhar sobre a realidade, como também das próprias engrenagens do mundo contemporâneo embalado pelas subjetividades do capitalismo.

Post original através de valor.globo.com

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