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“Petra”: Bete Coelho estrela drama intenso no teatro em SP | Cultura

“Petra”: Bete Coelho estrela drama intenso no teatro em SP | Cultura

Em Petra, espetáculo que está em cartaz no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo, Bete Coelho vive uma estilista de sucesso que enfrenta dinâmicas de poder e relacionamentos intensos em sua vida pessoal. O texto é uma tradução direta do clássico de Rainer Werner Fassbinder As Lágrimas Amargas de Petra von Kant e se desenrola como um drama que explora desejo, dominação e vulnerabilidade. O diretor e roteirista alemão, inclusive, é conhecido por suas críticas às normas sociais, sempre colocando em debate verdades incômodas sobre a natureza humana. “Fassbinder é uma dessas pessoas intensas que realmente deu voz às pessoas necessárias, ao submundo, às pessoas que estão à margem, às pessoas que fracassam, que erram, que se apaixonam, no caso da nossa peça, que é o amor lésbico também”, diz Bete em entrevista exclusiva à Vogue Brasil.

De acordo com a atriz, que é responsável pela direção da montagem ao lado de Gabriel Fernandes, uma das características de Fassbinder, homossexual assumido, é criar arte sem disfarçar a vida real — algo que lhe chama muita atenção. “Nosso interesse foi primeiro pelo autor, depois pela peça, porque é sobre mulheres, para a mulher”, explica. Aliás, no palco, um elenco completamente feminino: Luiza Curvo, Lindsay Castro Lima, Clarissa Kiste, Renata Melo, Miranda Diamant Frias e Laís Lacôrte. “É incrível ele ter tanta autoridade para se colocar em vozes femininas, de um amor errante e existe sempre uma tentativa de chegar em algum lugar com vida, com alguma verdade e enfrentando uma moral que não nos deixa evoluir.”

E os desafios não surgem apenas na vida de sua personagem, que Coelho descreve como “perspicaz, inteligente e passional”. “A Petra rompe o casamento numa época em que isso era bem difícil e que o jogo das aparências eram ainda mais importantes. Então, ela percebe que está apaixonada por outra mulher, mas acaba errando novamente amorosamente ao repetir o mesmo padrão de antigamente.” Pela primeira vez, Bete faz um “drama cruel”. “Veja bem, não é dramédia, não é drama e não é melodrama. É um drama cruel e frio. Então, esse foi o meu maior desafio, está sendo ainda, este equilíbrio entre não deixar um drama tomar conta só do sentimental, mas jogar um pouco de pitada trágica para que a gente possa se distanciar e analisar a peça”, reflete ela, reforçando, no entanto, que é uma história de fácil compreensão.

Gabriel aponta que o texto, que foi escrito para o teatro em 1971 e só virou filme um ano depois, aborda também o forte conservadorismo da época — algo que segue atual. “Ela mesmo diz: “Eu nunca me apaixonei por uma mulher antes”. Ela se depara com essa surpresa. Só que ela mergulha com tudo. Então, acho que tem essa quebra de conservadorismo. Também tem a relação masoquista com a funcionária, que é a Marlene, que faz tudo pela Petra e ela abusa dessa relação. Tem esse jogo que mexe com a sexualidade indo para esse caminho do jogo do poder”, afirma Fernandes.

Bete Coelho — Foto: Luiza Ananias/Divulgação

Bete deixa claro que gosta quando o teatro faz as pessoas refletirem. “Independentemente de ideologia política, a maioria das pessoas — nós estamos — muito anestesiada. Anestesiada com a desgraça, com a morte, com a guerra, com a destruição, com o racismo, com a violência. Acho que esse espaço precisa existir e ser fomentado e alimentado para que nós possamos chegar com um teatro de ideias e de pensamentos para as pessoas, para ampliarmos, sair de uma bolha que seja de uma direita consumista ou de uma esquerda elitista”, explica a atriz, que com Cia.BR116 decidiu um teatro com apelo popular. “É muito importante que essa peça, neste momento, seja feita num teatro, não necessariamente periférico, mas com apelo popular, com preços populares de R$ 20, porque nossa grande luta é essa: fazer que esse teatro, que o pensamento, o teatro de reflexão, seja acessível à grande maioria da população que, geralmente, não tem acesso. Que não seja elitista.”

Segundo o diretor, independentemente das questões individuais de Petra, a peça tem uma história universal. “O assunto principal é amor e paixão, especialmente desilusão, que pega qualquer espectro do ser humano. Qualquer ser humano adulto que já passou por uma história de paixão, que tem aquela coisa psicanalítica de que você projeta no ser amado aquilo que gosta, aquilo que você deseja e aquilo que quer que o ser amado. Então, você se depara com este ser como pessoa e descobre uma desilusão ou o encontro de um grande amor.”

Durante a apresentação, que é dividida em três atos, o expectador presencia ainda uma homenagem musical a Fassbinder. “Convidamos a cantora Laís Laporte para esse números que nós chamamos de entreato, com canções icônicas dos filmes dele. Então, todos os entreatos têm um número musical que são homenagens ao Fassbinder, e ao mesmo tempo têm essa função de distanciar o público das cenas densas que estão acontecendo”, revela Coelho, destacando a presença do pianista Fábio Sá.

Bete Coelho — Foto: Luiza Ananias/Divulgação

Talento além do palco

Por ser uma estilista, o figurino de Petra foi todo pensado também para deixar sua marca. Criado por Renata Corrêa, as peças foram selecionadas a partir das ideias de transparência (revelando a nudez da alma, o despir da dignidade) e desconstrução (assimétricos, inacabados e sobrepostos loucamente, acompanhando o delírio de Petra). Em contraposição à fluidez da seda, casacos pesados remetem a uma Berlim moderna e fria. “A Renata conseguiu costurar por meio das roupas, da malhabilidade dos tecidos, da transparência. Então, tem um jogo de sensualidade, de nudez, de feminilidade, ao mesmo tempo em oposição as botas, a coisas mais concretas, mais germânicas e modernas. Então, tem um glamour moderno, não é um glamour clássico. Ela foi de uma entrega e de um acerto tão grande e fez daquilo quase que uma coleção da Petra Von Kant”, pontua Bete, que completa: “Fico muito feminina dentro disso, muito mais delicada do que eu sou, muito mais, vamos dizer, trabalho um pouco mais a diva, coisa que eu geralmente vou para o lado oposto.”

Bete Coelho — Foto: Luiza Ananias/ Divulgação

Já a cenografia, assinada por Daniela Thomas e Felipe Tassara, favorece a performance das atrizes ao criar um ambiente intimista, que tem uma cama móvel como peça central, e ao dar maior amplitude a gestos, deslocamentos e expressões, por meio de espelhos em ângulo que reforçam as características narcisistas das personagens. A iluminação é de Beto Bruel.

“Daniela Thomas é minha parceira há 35 anos. E ela, de fato, traz um cenário conceitual. Ela viu nosso caminho como direção e concepção e conceituou. Isso mudou, inclusive, a nossa visão e trabalho porque, quando ela colocou duas paredes espelhando a personagem, mudou completamente a peça. Alterou tanto o figurino, o cenário, quanto a encenação.”

Peça está em cartaz em São Paulo

Serviço:
Teatro Cacilda Becker
R. Tito, 295, Lapa, São Paulo – SP Telefone: (11) 3864-4513 – Em cartaz até 7 de agosto – Horários: de quarta a sábado, às 21h; domingos, às 19h.
Ingressos aqui ou na bilheteria.

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Post original através de vogue.globo.com

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