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“A gente vive com o pires na mão”, diz Augusto Barreto, do Mamulengo de Cheiroso | F5 News

“A gente vive com o pires na mão”, diz Augusto Barreto, do Mamulengo de Cheiroso | F5 News

Uma prática acadêmica foi o embrião do grupo de teatro de bonecos Mamulengo de Cheiroso, o mais conhecido em Sergipe e representante do estado no segmento, por todo o país. Com quase 50 anos de fundação e um vasto currículo amealhado ao longo desse tempo, que inclui dezenas de espetáculos – alguns dos quais apresentados na Europa e na Ásia – e participação em festivais no Brasil e além-fronteiras, o Mamulengo mantém disposição de garoto e segue pulsante na alegria e tradição que evoca.

Seu fundador, o aracajuano Augusto Barreto, 66 anos, aponta entretanto uma desproporção no prestígio do grupo em Sergipe, em relação ao que observa em outros estados. Apesar de o Mamulengo ter sido agraciado com a medalha do Mérito Cultural Inácio Barbosa em 2002, outorgada pela Prefeitura de Aracaju, e com a Medalha do Mérito Cultural Tobias Barreto, em 2009, esta concedida pelo Governo do Estado, o diretor, ator e bonequeiro constata um certo desdém dos poderes públicos locais no campo das políticas de fomento cultural. E rebate trabalhando: “a gente faz fora e faz melhor”, disse ao F5 News.

Nessa entrevista ao portal, ele comenta a origem profana dessa arte e, entre outros temas, os desafios para mantê-la viva, num panorama em geral mais adverso do que favorável. Confira.

F5 News – Como surgiu a ideia de criar o Mamulengo de Cheiroso?

Augusto Barreto – A ideia do Mamulengo de Cheiroso começa em 1978 em uma aula na Universidade Federal de Sergipe, de uma disciplina do curso de Pedagogia, Psicologia da Educação 1, que era para criança e ministrada pela professora Aglaé D´Ávila Fontes. O grupo surge com sete pessoas na formação inicial e eu entro seis meses depois, já fazia teatro com a mãe de Aglaé, a saudosa Marieta D’Ávila.

Então, uma das práticas que a galera fez, dividiu o grupo, um fazia uma coisa, outro fazia outra, e esse grupo foi determinado a fazer teatro de boneco, onde ela já tinha experiência por conta da mãe dela, quando eu comecei, não é? Aí esse grupo montou um texto chamado “Sete retratos para três mosquitos”, de Maria Mazette, com direção de Aglaé D´Ávila Fontes, e aí apresentou no Armindo Guaraná, que era uma escola próxima à UFS. Foi um sucesso e o grupo começou aí.

Na década de 70, era o apogeu dessa revitalização da cultura brasileira, então tinham muitos festivais e encontros, tudo para reafirmar a cultura popular. E nessa leva que surge o Mamulengo de Cheiroso.

F5 News – O grupo confecciona os próprios bonecos. Isso é uma tradição no ramo ou foi uma escolha particular?

Augusto – A levada da gente é ensino da tradição popular, Aglaé se baseou para trabalhar em cima das danças, dos folguedos, da história da cultura popular brasileira, em especial a cultura nordestina. E a tradição de confeccionar os bonecos, sempre os grupos fazem seus próprios bonecos, inclusive nós temos um abrigo de boneco até hoje, é uma coisa comum.

F5 News – Qual a formação do grupo hoje?

Augusto – Hoje, o grupo está mais… é a minha família, não é? Trabalha eu, Augusto, Marlene Barreto [irmã], Arthur, Sachi, que é meu outro sobrinho. Trabalha também Pedro, que é o alfaiate, tem Floriano, também, que trabalha conosco já há algum tempo. E os músicos, Mimi do Acordeon e Júnior, seu irmão.

F5 News – Como o Mamulengo de Cheiroso alcançou tamanha longevidade?

Augusto – Essa questão da longevidade do grupo é insistência, não é? Eu acreditar nesse teatro tão forte, tão resistente, tão incomum. E é um teatro que vem da tradição popular, o povo se reencontra, se reconhece nele, então é um teatro muito visceral, entendeu? As pessoas têm um reconhecimento, muito, a gente chega nos lugares, “ah, você é do Mamulengo”, e é um grupo que já está há 46, entrando nos 47 anos. As pessoas já se acostumaram com ele. Acredito que essa longevidade se dê a isso e, principalmente, o respeito ao público.

F5 News – Quais os principais desafios nessa longa jornada?

Augusto – E o que desafia a gente é poder trabalhar com essa cultura tão forte, tão diferente, tão intensa, a cultura popular. É teatro popular ligado aos teatros primitivos, os Cacimicocos, anteriormente, era teatro de rua, de prostíbulos, e a gente vem dessa origem no teatro popular. E o que desafia a gente, eu nem sei o que a gente vai encontrar pelo meio do caminho e, hoje, nós pensamos muito, nesses 46, chegando a 47, perto dos 50 anos, nós pensamos muito nesse logotipo, colecionamos muito boneco, andamos muito, viajamos um bocado, tem projetos que a gente circulou o Brasil, mais de cem lugares, do Brasil de Norte a Sul, para o projeto Palco Giratório.

Teve outro projeto também muito importante, chamado Saúde da Feira, em que nós corremos todos os municípios de Sergipe e alguns da Bahia e de Alagoas. Estava um índice muito grande de doenças transmissíveis, era um projeto dedicado à saúde e o Mamulengo fazia essa parceria com a Secretaria de Saúde. Foi um projeto muito importante. Enfim, viajamos também alguns lugares da Europa, fomos para a Índia, estivemos no México, tantos e tantos lugares que a gente alcançou.

F5 News – E como resguardar esse legado?

Augusto – Nesses anos todos, a gente conseguiu juntar muito boneco, ou ganhando ou comprando, ou fazendo, no caso que a gente tem o fabrico de boneco, então são mil e tantos bonecos que nós temos na sede do Mamulengo, que fica na Atalaia. A gente pensa muito em construir um memorial, por isso que hoje a gente está captando recursos.

A gente também faz parte de alguns projetos, uma é essa Lei Paulo Gustavo de Incentivo, que vem da prefeitura e do Governo Estadual, isso é uma lei federal, mas está muito difícil. Tem quase um ano que a Lei Paulo Gustavo foi sancionada e nada, não chega nada para a gente até agora. Mas estamos aí, estamos na pista.

F5 News – Falta apoio dos poderes públicos?

Augusto – A Funcap [Fundação de Cultura e Arte Aperipê] da gestão até de Conceição [Vieira] ainda deu muito valor, mas nas que seguiram, a gente faz projeto e não passa, fica em segundo plano. Prefeitura nem se fala, que essa prefeitura foi horrível para a gente. A gente vive de pires na mão.

A gente agora vai para um festival de bonecos na Serra da Melosa, de João Redondo, que é a mesma coisa de Mamulengo, mas que é o nome que se atribui ao teatro potiguar, então as pessoas têm muito respeito, inclusive a mim. Mas aqui eu não vejo, não. O povo, sim. O povo tem, não digo veneração, mas chega perto, tem um respeito imenso. Mas o restante eu não vejo, não. Mas a gente não está muito atrás disso, a gente faz fora e faz melhor.



Post original através de www.f5news.com.br

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