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‘Autobiografia do vermelho’, de Anne Carson, ganha montagem brasileira no Centro de Artes da Maré

‘Autobiografia do vermelho’, de Anne Carson, ganha montagem brasileira no Centro de Artes da Maré

Difícil definir “Autobiografia do vermelho”. O elogiado livro da poeta e professora canadense Anne Carson — lançado em 1998 e publicado no Brasil, pela Editora 34, há dois anos — é catalogado como um “romance em versos”. A alcunha, porém, não dá conta da obra: nas quase 200 páginas do título, a autora extrapola os limites dos gêneros narrativos ao sobrepor ensaios, entrevistas, fragmentos poéticos e fotografias, num caleidoscópio de formas diversas. A impossibilidade de tradução desse emaranhado numa só palavra ou imagem serve justamente de norte para a adaptação teatral do texto, a primeira no mundo, e que estreia amanhã, no Centro de Artes da Maré, no maior conjunto de favelas do Rio, em temporada que se estende até a próxima semana.

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— Quero que o espectador saia do espetáculo e se pergunte: “O que eu vi?” — afirma o ator e diretor Bruno Siniscalchi. — Pode ser um show de rock, uma instalação sonora, uma exposição de arte, uma peça de teatro, uma leitura… Todas essas respostas cabem.

Tal qual a obra literária, “Autobiografia do vermelho”, a peça, faz da própria forma movediça o seu principal tema. Ao empilhar linguagens de diferentes campos artísticos, em trechos teatrais, operísticos, musicais e puramente plásticos, ergue-se em cena a monstruosidade — a mesma execrabilidade aparente de Gerião, figura central da trama inspirada na mitologia grega antiga sobre a qual Estesícoro (630a.C.-555a.C.) escreveu um poema lírico.

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Personagem marginal na mitologia, o gigante Gerião é a encarnação do “vermelho” do título — a cor serve como uma metáfora para emoções profundas que refletem, a rigor, “o caráter demasiadamente humano do monstro”, nas palavras de Siniscalchi, idealizador da montagem que aportará em São Paulo ainda este ano, após temporada no Rio.

Na história transportada por Anne Carson para a contemporaneidade, a figura monstruosa assume o protagonismo na pele de um jovem sensível, que encontra enfim a beleza de ser quem é (sob o corpo esquisito, enorme e alado) ao se apaixonar por Héracles — herói mais conhecido pelo nome latino de Hércules — e descobrir o amor justamente naquele que será responsável por seu assassinato.

— Gerião sempre foi uma figura periférica dentro das narrativas sobre os 12 trabalhos de Hércules que, em termos mais sociológicos, abordam a vitória da cultura sobre a monstruosidade — explica o ator e diretor, que contou com o auxílio de Ismar Tirelli Neto (tradutor da obra da canadense no Brasil) e da pesquisadora Fabiana Comparato na elaboração da dramaturgia. — Tudo muda depois de o poeta Estesículo fazer uma operação política e literária de inverter as perspectivas e colocar no centro o que antes era marginal na história. Ele escreve uma tragédia em que Gerião, o monstro, é o próprio herói de sua tragédia. Anne Carson vai além: ela faz essa figura monstruosa se autobiografar desde os 5 anos. Ou seja, ela o coloca numa busca pela própria linguagem monstruosa. E é aí que surge a tal mistura de gêneros e estilos narrativos.

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O artista diz que não haveria melhor espaço — para empreender a experimentação cênica proposta — do que o Centro de Artes da Maré, galpão próximo à Avenida Brasil, na Zona Norte do Rio de Janeiro, com tablado de tamanho superlativo.

— Pegamos o que é de fora do teatro e colocamos dentro dele. É uma peça que brinca o tempo todo em como fazer teatro sem a dramaticidade — explica Siniscalchi. — É um texto que exige uma radicalização nesse sentido. Não poderia ser de outro jeito.

Onde: Centro de Artes da Maré. Rua Bitencourt Sampaio 181, Maré — 3105-7265. Quando: Sex, às 20h. Sáb e dom, às 19h. Até 31 de março. Quanto: Grátis (com distribuição de ingressos 20 minutos antes). Classificação: Livre.

Post original através de oglobo.globo.com

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